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GALO PRETO CAPOEIRA



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Nativismo e Missão
Nativismo e Missão

 

 


Resenha por Júlio Alves Victor *



Nativismo – Nome moderno da convicção política de que certas diferenças de opinião têm uma base genética, eufemismo para xenofobia, a aversão às influências estrangeiras; na Etiópia (q.v.) ocidental, a tendência do partido que tomou o poder após a morte de um rei lusófilo.

Este, o rei Afonso I (q.v.) Mpemba a Nzinga, filho do rei-sacerdote João I Nzinga a Kuwu, não terá deixado herdeiro nomeado: suporia que o povo apoiasse o seu também devoto filho,¹ o príncipe Pedro Nganga a Mpemba, que consigo mais se parecia. Em vez disso, eclodiu uma guerra civil (1542-43) que opôs, uns aos outros, súbditos portugueses, nativos de Portugal e de Santomé (q.v.), respectivamente fieis e contrários à Coroa europeia, e congueses de convicções idênticas: o trono conguês foi finalmente entregue a Francisco Mpudi a Nzinga, irmão do falecido monarca.

O herdeiro do príncipe Francisco era o voluntarioso Diogo Nkumbi a Mpudi, que por esta via indirecta chegou ao trono da Etiópia ocidental (q.v.) em fins de 1544. As queixas do feitor de Santomé (q.v.) que se seguiram à ascensão do rei, e o envio de um vigário conguês para Ambasse (q.v.), ter-se-ão afigurado a Diogo I (q.v.) como uma tentativa de controlo do comércio régio e uma ameaça séria aos seus rendimentos, levando-o a informar Lisboa, por carta de 25.02.1547,² que não era verdade a escravagem (q.v.) escassear no Congo (q.v.), que expulsara o vigário de Santomé por ele se ter revelado inútil, e que desejava prestar obediência independente ao Papa. O rei português, auscultando talvez o padre Diogo Gomes, confessor do monarca africano e portador da carta deste, obteve então a bula papal de 16.07.1547 que lhe concedeu o direito ao uso da Sociedade (q.v.) para fins políticos, desde que promovessem o Catolicismo.

A Companhia mais denodada das hostes da Cristandade ia ser posta à prova em três tentativas de conversão religiosa, senão as mais arriscadas, pelos as menos públicas e mais inglórias da sua história: em sessenta dias a primeira missão da Sociedade (q.v.) à Etiópia ocidental partia do Tejo.



1. Cujo patronímico Mpemba sugere que o fosse: geralmente, pela tradição o herdeiro seria um sobrinho uterino (filho de uma irmã consanguínea), com um patronímico diferente, mas, no caso especial de um rei, seria um príncipe de qualquer linhagem nobre, desde que eleito pelos anciãos.
2. Delgado (1946), vol. I, p. 220, nota 1.

Bibliografia: Delgado (1946), vol. I, pp. 195-200.





Missão – L. missione, ‘incumbência’; território definido, especialmente na tradição cristã, para proselitização do gentio (vd. Pacheco, nota 1) por eclesiásticos especializados em trabalho desse tipo.

A incumbência que o rei português João III (q.v.) deu à Sociedade (q.v.), uma vez de posse da bula de 1547 que o autorizava a tal (vd. Nativismo), foi a de repor na Etiópia (q.v.) ocidental, governada desde fins de 1544 pelo rei Diogo I (q.v.), a autoridade da diocese de Santomé (q.v.). Os padres e um professor leigo, sob o Superior Jorge Vaz, chegaram a Ambasse (q.v.) a 20.05.1548, fazendo muitos conversos logo nos primeiros quatro meses de actividade, para o que se auto-financiavam com o comércio da época: em poucos meses já tinham no porto Pinda (q.v.) uns setenta escravos para embarque. ¹

A escravatura (q.v.) era, então, não só corrente, mas legalmente uma fonte de rendimento do funcionalismo português no reino do Congo (q.v.), que incluía os eclesiásticos. Mais grave é que os missionários, mal relacionados com os outros clérigos e marginalizados pelo monarca africano, não lançavam raízes: em carta de 28.01.1549 o rei Diogo queixava-se ao seu congénere português de o superior lhe ter chamado, do púlpito, «perro, parvo e de pouco saber», e comentava o pouco respeito em que os clérigos eram tidos no reino.2 No mês seguinte o Superior escreveu também ao seu monarca em Fevereiro e, ao sabê-lo, o monarca conguês expulsou-o do reino. Ao passar por Santomé o jesuíta (q.v.) dissuadiu os missionários das outras ordens, que ali aguardavam transporte, de seguirem para Ambasse: assim terminava a primeira missão da Sociedade no Congo, falecendo o Superior Vaz em Lisboa em 1551.

Entretanto, como já na sua anterior visita a Lisboa o confessor (vd. Nativismo) do rei do Congo mostrara interesse em ingressar na Sociedade, o Provincial, sem esmorecer com as más notícias da Etiópia ocidental, aprovou a ordenação do eclesiástico conguês em 1549 sob o nome de Cornélio, e integrou-o como Superior da 2ª missão, que deixou Lisboa em fins de 1552. Em Ambasse a partir de Agosto de 1553, e morrendo um dos dois padres que o acompanhavam dois meses depois, apenas o padre Cornélio prosseguia no empenho de trazer Diogo I ao caminho que o pio rei português João III apontava. O seu relacionamento tornou-se, porém, tão difícil com o seu antigo confessando, que em nada ajudava os jesuítas (q.v.), proibindo o povo de frequentar-lhes a igreja, confiscando-lhes mesmo as esmolas e, por fim, indeferindo-lhes a abertura de uma escola, que o Superior voltou a Lisboa, onde chegou em Agosto de 1554. Terminava assim a 2ª missão da Sociedade à Etiópia ocidental.

Entretanto Diogo I livrava-se do resto do clero que lhe era infiel, decretando em 1555 a expulsão da maior parte dele e de muitos moradores portugueses do Congo. Mesmo assim o rei João III, por alvará de 08.10.1556, enviou a Sociedade ao Congo numa terceira missão, chefiada, desta vez, pelo idoso juiz Pacheco (vd. Regimento, nota 2). Como, ao experiente jurista, terá sido patente a inexequibilidade da incumbência, não arredou de Santomé embora os padres da Sociedade se queixassem ao Provincial, morrendo na ilha a meados de 1557.

Quase ao mesmo tempo, morria o rei João III deixando um filho menor, Sebastião. No vácuo diplomático que se seguiu, o exército conguês foi enviado em direcção da ilha Loanda (q.v.), povoada então por inúmeros súbditos portugueses ali refugiados das prepotências do rei Diogo. No cacimbo (q.v.) de 1558, ao tentar a travessia do rio Danje (q.v.), sofreu uma pesada derrota às mãos dos lanceiros do Dongo (q.v.), o que terá encorajado o padre Simão Rodrigues, companheiro do falecido juiz Pacheco, a seguir para Ambasse e tentar reconciliar Diogo I com o bispo de Santomé.


1. Delgado (1946), vol. I p. 206, reflecte, no século XX, os sentimentos do Abolicionismo (q.v.), ao assumir os Jesuítas do padre Vaz rendidos à «expressão dominadora, absorvente, da atmosfera deletéria do território, contra a qual não souberam reagir...».
2. Loc. cit., p. 218.



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Natural de Moçâmedes, hoje Namibe, Angola. Amigo e colega no Helderberg College, África do Sul, nos anos 60. Depois de terminar os estudos universitários, em Geologia, fixou residência naquele país.

Mais um trabalho deste amigo, que muito agradeço.